Funed contribui para pesquisa sobre comportamento reprodutivo de serpentes
Na próxima sexta-feira, dia 25, a Fundação Ezequiel Dias vai contribuir com um importante estudo que investiga o comportamento reprodutivo de algumas espécies de serpentes do gênero Micrurus (coral). O Serviço de Animais Peçonhentos (SPA) da Fundação irá disponibilizar exemplares de animais para coleta de sêmen, que será usado em pesquisa que almeja desenvolver biotécnicas que permitam a reprodução de cobras corais em cativeiro, para que Institutos como a Funed possam manter seus animais e suas pesquisas.
A investigação faz parte da tese de doutoramento de Rafaela Zani Coeti, aluna do programa de pós-graduação em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres da FMVZ-USP, que conduz suas pesquisas pelo Grupo de estudos em reprodução de Squamata, no Instituto Butantan (SP), e tem como objetivo descrever morfologicamente o espermatozoide das Micrurus brasileiras por meio da ultraestrutura. Para a médica veterinária da Funed, Juliana Araújo Gomes Cabral, a Fundação é importante para a pesquisa, pois contribui por meio da disponibilização de exemplares de Micrurus frontalis, já que essa espécie é mais comum em nossa região e compõe o plantel de serpentes da Fundação, ao passo que no Butantan está mais presente a espécie Micrurus corallinus, mais encontrada naquela área. “O estudo da morfologia dos espermatozoides de Micrurus fornece informações a respeito da filogenia dos caracteres reprodutivos de suas diferentes espécies. A avaliação do sêmen desses animais do cativeiro também auxilia no controle da saúde reprodutiva do nosso plantel de corais, este que é essencial para a produção de soro antielapídico”, afirma Juliana.
Rafaela Coeti, responsável pela pesquisa, explica que a ultraestrutura de uma célula nada mais é que a sua composição que, por ser muito pequena, necessita da ajuda de um microscópio potente para ser estudada. No caso da pesquisadora, a célula em estudo é o espermatozoide, que pode ser comparado a um rocambole. “Quando cortamos o rocambole em fatias, conseguimos ver o seu recheio. É exatamente o que fazemos com o espermatozoide: o cortamos em várias fatias e, ao olhar para as fatias, conseguimos saber o que tem dentro dessa célula. Só que a grande diferença é que o recheio do rocambole é algo grande e visível, já o “recheio” do espermatozoide não pode ser visto sem a ajuda de um microscópio, por isso o nome ultraestrutura”, compara a pesquisadora.
A principal hipótese da pesquisadora é que a ultraestrutura dos espermatozoides seja diferente entre as espécies e que essa diferença esteja relacionada com a forma como elas se reproduzem. A especialista explica que, quando se fala em cobras corais, há cerca de 32 espécies de corais verdadeiras, isso só no Brasil. Essas 32 espécies se dividem em dois grupos de acordo com o padrão de coloração e também de acordo com seu comportamento reprodutivo. “Temos o grupo das cobras corais onde os machos lutam pela fêmea, em um ritual de combate; e temos o outro grupo, onde ocorre uma agregação reprodutiva, normalmente com uma fêmea sendo cortejada por vários machos ao mesmo tempo. Assim sendo, é provável que o espermatozoide, sendo uma célula ligada à reprodução, possua diferenças entre uma espécie de cobra coral e outra”, detalha a doutoranda.
A pesquisadora conta que, apesar das já listadas 32 espécies de cobras corais verdadeiras brasileiras, a cada ano, novas espécies são encontradas e isso se torna um quebra-cabeça para os cientistas. “Quando pensamos na filogenia (história evolutiva de uma espécie), imaginamos em qual lugar do quebra cabeça vamos encaixar uma nova espécie e com qual outra espécie ela tem mais parentesco. Como nosso grupo trabalha com reprodução de serpentes, para nós é importante descobrir caracteres reprodutivos, que podem vir tanto do espermatozoide, quanto do modo, comportamento e ciclo reprodutivo desses animais, para que possamos dizer quem é mais aparentado com quem e onde estão encaixados no quebra-cabeça evolutivo” explica.
Durante o procedimento de coleta que será feito na Funed, a pesquisadora explica que, para ter acesso ao espermatozoide das cobras corais é preciso coletar sêmen. Essa coleta é feita por uma metodologia não invasiva, ou seja, que não causa injúria aos animais. Para isso, o animal macho é contido em um tubo plástico de modo que sua cabeça fica dentro do tubo e sua cauda fora. Uma pessoa segura o animal dessa forma dentro do tubo, enquanto outra faz uma massagem no final da cauda da serpente. “O processo é semelhante a apertar uma pasta de dente que já está no fim para colocar o que resta na escova. Assim, com este movimento, conseguimos acessar os testículos e os dutos que levam os espermatozoides até a cloaca dos animais, massageando em direção à cloaca até que de lá saia o sêmen”, associa. É necessário conseguir amostra de sêmen de pelo menos cinco animais machos por espécie. Rafaela explica que a quantidade de sêmen que já coletaram com esta metodologia não passa de 9 microlitros por animal, ou seja, mais ou menos a metade de um grão de arroz, mas apesar de parecer muito pouco, esse volume de sêmen possui uma concentração enorme de espermatozoides.
A Funed vai fornecer quase o total de sêmen coletado para a espécie Micrurus frontalis. Outras Instituições como o Instituto Vital Brazil, no Rio de Janeiro, e o Instituto Butantan, em São Paulo, também já foram visitados e forneceram sêmen de outras espécies como Micrurus corallinus e Micrurus altirostris.
O material coletado passará por duas análises. A primeira é uma avaliação seminal, em que é possível ver os espermatozoides no microscópio, avaliar se estão vivos, se estão batendo o flagelo e em qual direção estão indo. Isso permitirá classificar a qualidade do sêmen de cada macho para saber, de todos os animais coletados no dia, qual deles seria o macho com a melhor qualidade seminal, ou seja, o que possui a maior probabilidade de engravidar uma fêmea de acordo com a viabilidade de seus espermatozoides. A segunda análise é a da ultraestrutura, em que o sêmen passa por vários processos até que o espermatozoide possa ser analisado por fatias em um microscópio eletrônico, para conseguir descrever pela primeira vez a ultraestrutura de espermatozoides de cobras corais e compará-los entre as espécies.
A pesquisadora acredita que esta pesquisa é o ponto inicial para entender sobre o espermatozoide das cobras corais. “Uma vez em posse desse conhecimento, podemos partir tanto para a criopreservação dessas células – processo onde células ou tecidos biológicos são preservados através do congelamento a temperaturas muito baixas –, quanto para a inseminação artificial, conseguindo assim reproduzir esses animais em cativeiro. Atualmente, poucos são os centros de pesquisa que mantêm cobras corais verdadeiras em cativeiro, medida fundamental, uma vez que as serpentes são utilizadas para a extração de veneno que serve tanto para a fabricação de soro quanto para pesquisas que geram medicamentos”, conclui.
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Publicado em: 24 de janeiro de 2019 15:00
Última atualização: 05 de outubro de 2022 18:53