Patente prevê o uso do veneno da aranha armadeira para o controle da dor  

O veneno da Phoneutria nigriventer, uma aranha muito agressiva e responsável pela maioria dos acidentes com aracnídeos, pode se tornar um aliado da medicina. É que estudos realizados por pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias (Funed), em parceria com colaboradores da Santa Casa de Belo Horizonte, podem, no futuro, transformar este veneno em medicamento contra a dor. As pesquisas do grupo, publicadas com o título Sequência de Nucleotídeos, Proteína Recombinante, Composições Farmacêuticas e Usos, deram origem a um Pedido de Depósito de Patente no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).

O estudo tem como foco atividade terapêutica da toxina PnTx3-5 do veneno da aranha, que é conhecida popularmente como armadeira ou aranha de bananeiras. Os resultados das pesquisas com essa toxina mostraram-se altamente eficazes em inibir funcionalmente o receptor TRPV1. O termo TRP define uma subfamília do receptor transitório que é ativado por mudanças na temperatura ambiente, do frio intenso ao calor excessivo. A disfunção desses receptores contribui para vários estados patológicos, como dor resultante de eventos fisiológicos, que pode ser dividida em aguda e crônica, inflamatória e neuropática. Os resultados que originaram essa patente poderão ser usados futuramente como modelo para o desenvolvimento de medicamentos que inibem a atividade desse receptor, amenizando os impactos destas doenças. Os pesquisadores esperam que o mercado se interesse em investir na produção de novo medicamento.

Os trabalhos de pesquisa para a obtenção da Toxina PnTx3-5 iniciaram-se na Funed há mais de 20 anos, sob a orientação do professor Carlos Ribeiro Diniz. Mais tarde, quando as toxinas já estavam purificadas, houve a colaboração do professor Michael Richardson para a determinação estrutural da referida toxina e de outras do mesmo grupo. “A estrutura primária, isto é, a sequência dos resíduos de aminoácidos desta toxina, foi descrita e publicada na revista Toxicon, vol. 31, nº 1. pp. 33-42, em 1993. Uma vez purificada e caracterizada estruturalmente, essa molécula ficou armazenada no freezer por vários anos, até mais ou menos 2008/2009, quando o pesquisador Marcus Vinícius Gomez e sua equipe do Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP) da Santa Casa de Belo Horizonte iniciou os estudos farmacológicos utilizando a toxina, ratificando a parceria com a Funed”, conta Marta do Nascimento Cordeiro, pesquisadora do Serviço de Proteômica e Aracnídeos (SPAR), da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD) da Funed, e responsável pela condução do estudo.

A aranha armadeira, cujo veneno foi usado para obtenção da toxina, é conhecida por ser uma aranha errante, que não constrói  teia para capturar suas presas. É uma caçadora ativa e domina suas presas pelo seu veneno extremamente neurotóxico. Durante o dia, a espécie esconde-se em lugares úmidos e escuros, sendo muito ativa ao entardecer e à noite. Para a obtenção do veneno, elas são capturadas em campo e mantidas no Aracnidário Científico da Funed, onde mensalmente é extraído o veneno pela equipe liderada pela bióloga Maria Nelman Antunes Pereira.

Cada aranha produz em torno de 10-12 microlitros de veneno, o que corresponde, em média, de 1,0 a 1,50 miligramas de proteína. São realizadas sucessivas extrações do veneno até obter-se em torno de 1,0 grama de veneno necessário para o processo de purificação das toxinas e de outros componentes de interesse. Alcançado a quantidade suficiente, inicia-se o processo de obtenção da toxina, processo trabalhoso e demorado, que é feito por meio do fracionamento multidimensional em sistemas de cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC: Cromatografia Líquida de Proteína com Alta Resolução). Na primeira etapa de obtenção das toxinas, obtém-se aproximadamente 80 componentes do veneno. Cada um desses componentes é submetido a sucessivas etapas de purificação de tal forma que o processo é iniciado com um 1,0 grama de veneno e obtêm-se, ao final, em torno de mais ou menos 50 microgramas de cada toxina, razão pela qual esse processo é contínuo, sempre processando novo lote de veneno, para que se obtenha mais toxina para dar continuidade aos estudos farmacológicos.

Ainda no SPAR, a toxina recém obtida é submetida à análise para verificar se está realmente pura, ou seja, processo de validação para confirmar ausência de contaminantes e, em seguida, a determinação de sua estrutura primária, isto é, a sequência dos resíduos de aminoácidos na molécula da toxina, cujo trabalho é realizado pela pesquisadora Márcia Helena Borges e equipe. “Só após esse processo a toxina está pronta para ser entregue aos pesquisadores e a nossos colaboradores, que fazem o estudo da atividade farmacológica de cada uma das toxinas por nós obtidas de forma pura e caracterizada estruturalmente”, detalha Dra. Marta. Ela acrescenta, ainda, que os pesquisadores – ao concluírem os estudos farmacológicos e a análise dos resultados obtidos com a toxina – decidiram, em comum acordo com os pesquisadores que purificaram e caracterizaram estruturalmente a toxina, submeter o Pedido de Depósito de Patente no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).

Texto: Vivian Teixeira

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Publicado em: 23 de outubro de 2018 17:22

Última atualização: 05 de outubro de 2022 18:55